Impressão do livro Sonho Branco – Trilogia/Brasil:
11 de junho de 2016
Depois de anos de dedicação, com tomada de fotos, escrevinhadoras de histórias e relatos de experiência, o livro Sonho Branco – Trilogia, vai paa a impressão, na Editora e Gráfica Silveira, em Belo Horizonte.
Algodão em Mato Grosso do Sul/Brasil:
Texto introdutório do livro:
“Um sonho sombreado de luz
Luz e sombra, imagem e palavra, memória, sonho e experiência se interlaçam para criar o Sonho Branco de Eliane Velozo.
O artefato que você segura em suas mãos é uma matriz possível de suas vertentes. Nós, amigos e companheiros da artista que a assistimos, ficamos confusos e maravilhados com ela à medida que seu tecer toma várias formas: fotografias, sonhos, jornadas, diários e, finalmente, o ponto de encontro, este livro.
As distâncias que a artista percorre, com trabalho árduo e sacrifício, e as distâncias que ela une, aparentemente sem esforço em sonhos ou através de redes de comunicação, chegam a um destino comum nessas palavras e imagens.
Esta é uma obra sobre algodão e o trabalho de plantar algodão, ou uma obra sobre escravidão e liberdade, ou sobre família e ancestrais, ou sobre espiritualidade – ou é tudo ou nada disso, podendo se despedaçar se tentamos desvendar suas distintas vertentes e segui-las de volta às suas origens. Porque Sonho Branco conta uma história de origens, onde os rastros de um tempo vivido recuam além da memória. A artista lembra sua família cultivando algodão. Na casa da família onde o algodão era empilhado alto no canto da sala que servia como escola, as letras do alfabeto emaranhadas em tufos de algodão. O branco brilhante do algodão e o preto profundo de suas sementes alimentam suas fotografias.
Palavras e imagens são sementes em tempo luminoso. A profunda busca da artista pelo inefável, contato ancestral no passado e no futuro, no presente-como-futuro-imediato, finalmente retém unido o tecido de sua obra – e nada realmente se despedaça sob nossa ânsia investigativa de entender. Chegue perto, e o tecido releva suas vertentes individuais; afaste-se, e a textura do todo emerge.
A textura surge, porém, excede nossa visão. Há uma complexidade em Sonho Branco que não revelará seu segredo. É a complexidade da experiência vivida, dobrada e redobrada nas memórias das gerações e é a complexidade da sociedade humana, expandindo-se para fora e voltando em densos sistemas radiculares: consciência distribuída através do tempo e do espaço.
O que deveria nos surpreender mais: o sonho onde a artista ouve a pergunta – “Quem é Catherine Kitten?” – que inicia sua jornada aos vermelhos e sujos campos de algodão do Texas, ou a fibra que conecta o sonho à realidade, o sistema nervoso estendido da internet onde ela encontra a pista de uma pessoa chamada Chatherine Kitten?
Quer adotemos os termos da espiritualidade ou da ciência cognitiva em nossas especulações, ou consideremos as romarias da artista uma manifestação do l’hasard objectif – na teoria do surrealismo de André Breton, uma reconciliação das forças naturais e humanas sob o disfarce da probabilidade – os saltos intuitivos que têm guiado Eliane através de três continentes deveriam nos dar pausa. Pausa para se maravilhar e seguir em frente: o poder do Sonho Branco deve-se não à história de suas origens, mas à sua despretenciosa junção de metáfora e manifestação.
Esta obra que testemunha para a continuidade da experiência humana, expande-se para além desta continuidade.
Com a habilidade de um tempo de vida, a artista forma sua experiência daquela continuidade em um tecido que cobre e protege, mas também revela a conexão escondida da experiência humana.
Ao invés de duelar na narrativa do processo criativo da artista, deixemo-nos considerar as histórias contadas pelas imagens e palavras. Vemos temas comuns dos três continentes: paisagens agrícolas, agricultores, mãos de agricultores, fazendas e maquinário têxtil, caule, folhas, ramos, flor e capulho de algodão e o solo que o nutre. Muitas histórias, muitos cursos do tempo são capturados dentro dessas imagens.
Mais de imediato elas documentam uma commodity da agricultura através de tempos recentes – um tempo experiencial da fotógrafa.
Entretanto, outros tempos ligados no presente próximo também transmitem suas histórias. Existem histórias familiares que pertencem ao que a artista chama de “tempo sanguíneo”, memórias relacionadas à família imediata de alguém.
A família de Eliane cultivou algodão em Pernambuco.
A família Kitten se estabeleceu no Texas e cultivou algodão.
Além das histórias que as famílias deixam como herança, encontra-se o tempo histórico, construído através de documentos, mas também recuperadas das narrativas herdadas por culturas inteiras.
No Togo, as famílias ewe do algodão têm suas histórias familiares para contar, mas também conhecem a sabedoria dos ancestrais que foram violentamente sequestrados e vendidos, muitos deles para grandes plantações de algodão do Novo Mundo, onde ainda outras histórias foram herdadas através de gerações.
O tempo cultural opera dentro de uma camada mais profunda que a artista chama de “tempo ancestral”, um tempo que converge na África enquanto terra da origem humana. O tempo de sonho e o tempo da imaginação criativa, com os quais se abrem paisagens de ação potencial, mediam os diferentes conceitos do tempo existencial.
Através das imagens e palavras do Sonho Branco, emerge uma complexa rede de tempos interconectados.
A consciência da rede de tempos forma a visão interior da obra. A artista, que sofre de degeneração macular, relaciona uma melhora em sua percepção à perda de sua habilidade visual: “Eu não preciso de muitas coisas em minha vida – quando eu descobri isso, eu pude ver melhor o planeta”.
Um trabalho anterior, “Travessão”, registra uma caminhada na linha do trem de Ouro Preto até Belo Horizonte, onde não existem mais trens, “vemos o que não estamos vendo”, coisas que faltam por causa da mudança na economia. Nas fotografias e instalações de “Tempos de Tempo”, ela pergunta como as pessoas vivenciam o tempo, colocando a fotografia como um tipo de suspensão do tempo e como um portal à nossa percepção do mesmo.
Ao nos movermos das narrativas das imagens e seus diferentes tempos, do tempo suspenso de cada fotografia, descobrimos uma artista que possui uma gama completa de habilidades adquiridas durante uma vida inteira, plenos poderes. Ela comanda suas habilidades e o restante de sua habilidade visual para concretizar sua visão interior. No jogo de luz e sombra nessas imagens, não é difícil imaginar a percepção de mundo da artista, sua luta concreta para ver, como a força que forma as imagens. Os closeups extremos, o contraponto de foco e desfoque, a inundação de luz e sombra, e a emergência súbita de detalhes podem ser lidos como indicadores do ato de ver, onde a imagem completa e a ilusão de continuidade não são simplesmente oferecidas, mas têm que ser arduamente ganhas.
Nem habilidade visual nem insight chegam intactos. Arte prenuncia, mas não pode construir a continuidade do mundo.
Como a artista, lutamos para formar essas imagens, essas sombras fixadas no papel, para projetá-las de volta na luz de suas origens.
Talvez sejamos os sonhos que os conectam à rede de luz e tempo.“
Paul Hertz
Chicago, maio de 2008.
(Paul Hertz e artista e curador independente. Vive e trabalha em Chicago).
Documentação da impressão do livro:
Sobre o livro:
O livro está escrito em Português e Inglês, e pode ser adquirido em mãos, ou enviado via SEdEX.